Tardinha na ladeira do Peilourinho, um carra passa pela frente do bar, da mesa, sujeito besta grita um desaforo por motorista, que engata ré, desce, e irritado invade o recinto pra "tirar a limpo" : Quem foi ? ... - Silêncio sepulcral, niguém move um músculo, o cara é grandão, o ofensor não se entrega." - Não tem homem aqui ? ..." - Continua intimando geral. Eis que leventa um tipo lá do fundo, se aproxima e topa a parada : " - Ah ! Tu é macho ... mas é macho mesmo, tem certeza ? " -
O ar fica mais pesado, os dois se encarando frente ao balcão, o grandão confirmando a hombridade se prepara pra atacar. Em posição de duelo o tipo, um mestiço, pede ao garçom uma pinga de boa, serve de dois copos e manda : "- Então se tu é macho mesmo, quero ver beber mais que eu ! " - O desafio matreiro desarma o grandão, que não contém o riso, acaba tomando um trago com seu ex-oponente. A malandragem vence a violência. O mestiço é Gilberto Reis, mestre BARBA BRANCA, dos seus 42 anos 35 são de capoeira, um dos atividores da Associação Brasileira de Capoeira Angola. Formado por Jão Pequeno, esse baiano de Caravelas faz parte da antiga extirpe de capoeiristas, valoriza o jogo de chão, o ritual contato com a terra .
Fala Mansa, jeito sossegado, expôs sua visão da capoeira pro grupo Mocambo no ginásio Tesourinha e no sítio de Nova Santa Rita, as perguntas da entrevista partiram dos Mocambolas. Sorridente, Barba Branca contou porque acredita que ...
Barba Branca -
As outras arte estão muito difundidas, e capoeira que ficou no anonimato agora mostra o valor que tem. A angola estaá crescendo e ficando conhecida. Ela se propaga sem epidemia se resguardando, sem perder a característica, lentamente como no jogo do angoleiro. As pessoas estão procurando nas artes marciais uma forma de se encontrar, de ter paz interna.
Acredito que a capoeira esse caminho, trabalha o corpo e a mente. Não é só luta, é filosofia, assim todos entendemos a vida. E um pensamento meu e de outro mestres antigos com Zé do Lenço, Gildo Alfinete, Boca Rica, entre outros. A capoeira angola é o esporte du futuro. Mas tem desafios a enfrentar.
Baptista : Qual afinal a diferença da angola e da regional, e como são vistos angoleiros e regionais, uns pelos outros ?
O que nos mete medo é o pessoal não distinguir
a angola da regional. A maioria está voando quanto a isto. E preciso mostrar as diferenças das artes. <uma não é melhor que a outra, trabalham partes diferentes. O sol brilha pra todos. A regional tem seus própios princípios, em uns 2 anos o cara já vira professor e contra-mestre. Na angola não é assim, tem uma complexidade maior, a gente cobra legal ! Mestre tem que ser mestre delle mesmo. O reconhecimento popular é o reconnecimento do meio.
Temos o príncipio da não violência.
A capoeira angola é religião, tem a ver como formação do ser humano, o carácter. Você sempre tem que se defender do opressor, e gostar dele, mostrando que não é o mal que vai prevalecer. Se ele cair, lhe estenda
a mão.
Existe um respeito mútuo entre regionais e angoleiros. Sem problema. Em Salvador não tem essa de um regional chegar e bagunçar. Alguns compreendem o trabalho é ate buscam seu epaço no Pelourinho, como nós. Tá previsto, só depende dos regionais elaborem umo boa justicativa, com o que realmente mestre Bima queria. Nós estávamos bem lá na rabado, demos um passo compridão e conseguimos boas vitórias.
Liziane : Como está o negro na contemplação de suas necessidades, no seu orgulho, e diferente na Bahia ? Como estaá a moral social do capoeira ?
Em parte temos o respeito da sociedade, não bastante. Em Salvador, como noBresil inteiro, vale quem tem, se você tem dinheiro as portas se abrem .
A luta do negro mudou com a capoeira, ele recuperou auto-estima e hoje
tem identidade. As moças gostam do negão. O negro é bonito fisicamente, jogando capoeira é mais ainda, tem mais molejo que o branco. E a raiz, tá no sangue, aprendemos com eles. Já fui discriminado por ser meior amarelo. E polêmica a política do racismo, me revolto, mas não posso julgar, não sou a palmatória do mundo. Certa vez me disseram que o King Kong apanhau de um sujeito mais claro, a polícia veio e ao invés de levar o cara branco, levou o King kong e ainda bateu mais.
Vinicius : Como tu vê a cultura brasileira tratada como indústria, visando grana, como na axé e outros produtos ?
Blocos como o Olodum ou os Filhos de Ghandi conseguem forte repercussão pra imagem do negro. O calrinhos Brown ajuda o pessoal do Candial. Quando ficou nu, levou troféu. Se fosse outro negro seria preso. E uma questão complexa. Tem entidades que não tem nada a ver, mas tem muita gente da cultura negra. Nem sempre cultura é bem usada. A TV deturpa uso. Essa vitamina cultural de abacate, maméao e meléao que botaram no loquidificador ... hum ... a mídia sempre procurando coisas novas ... tem que ter cuidado !
Vão procurar a capoeira como algo novo. E difícil conciliar, mostrar aos orgãos pùblicos
. O angoleiro deve cuidar pra não ficar como o regional, a capoeira regional cresceu muito rápido e hoje quer retornar á capoeira angola.
Alemao Teda : Porque o angoleiro joga calçado e não de pé no chão ? E quato ao alinhamento, a maneira de se vestir, se apresentar ...
E uma tradição. Negão bonito, enbecado, sapato legal, chegava de braço com sua mulher, a ela entregava a paletó, pedia licença ao mestre, jogava, esfregava as mãos, botava seu chapéu e seguia o passeio. Daí mexe também com a vaidade.
O capoeira tem que estar elegante, ser cortês e fazer que o enxerguem como alguém normal. Transmitindo outra visão, não tem jeito. Além disso, pra ser respeitado, o negro passou a ter outra postura, a se dar valor . Joven unidos com os mais elhos fizeram modificações , pra mostrar pra uma sociedade que cobra muito e não dá nada em troca que a capoeira néao é "essa coisa" marginal. Andar bonito não que disser que você seja o máximo, os maltrapilhos tem seu valor.
Dimos : Fale dessa geração de mestres que vem logo após Pastinha ...
Pô ! Zacarias é a coisa mais linda que existe, humilde, bom de conversa. Mestre João Pequeno é outra figura bonita em termos espirituais, tem muito a passar pra nós e pras gerações mais novas. Falam muito bem de Mestre Eufrozino, cara legal pra caramba, no pouco que fala diz demais. Não poso deixar de falar no Jair Moura e no Gildo Alfineste. O Jair foi cineasta e ficou de fazer um filme pra gente. O Gildo é fora de série, "tri legal", humano demais. Tem muita gente boa na bahia, como o Morais, Zé do Lenço, Boca Rica, o própio Marroni, cada um é cada um. Lua de Bobó é outro personagem interessante, pessoa fina, super educado. Mestre Pélé é o homem da voz bonitan o gogó de ouro da capoeira. E que Deus tenha em bom lugar mestre Caiçara. Sem falar de João Grande que fois pros Estados Unidos (lá fora tá mais fácil que aqui), ele é Doutor Honoris Causa, um marco pra capoeira. Tô doidão pra fazer uma homenagem a Zacarias, ele merece um caro lindo de se vê, jogar, no ponta da pé, jogo da antiga.
Juliano : E o conceito de mestria, o que é necessário pra ser mestre ?
Rapaz ... na realidade mestre é Deus.
Esse é um conceito muito forte, de muita responsabilidade. Pra você chamar alguém de mestre, ele tem que ser mestre dele mesmo. Amar e respeitar as pessoas, sem demagogia. Saber ensinar, tocar, ser humilde e saber muito sobre capoeira . Pra ser mestre tem que se conhencer um pouquinho de tudo da vida, aprendendo com ela. E preciso se ajoelhar pra terra, porque é dela que se vive. Os velhos mestres tem critérios muito rígidos : responsabilidade, dignidade, humildade. A soma desses aspectos com o trabalho exercido elege o mestre, o povo e o respeito de outros mestres fazem isso.
Sylvio : A capoeira como didática, no ensino, que linguagem assume ?
Como didática, cada um tem seu estilo. Tem quem ensine de forma direcionada a ser esporte de agressão. Outros preferem ensinar como não ter que brigar. Esses mostram a dureza da capu angola. mas não discrimino métodos. Depende do mestre e do desvio do aluno. A capoeira pode ensinar tudo, a você se disciplinar, a comer com as própias mãos, sabendo o que tá comendo. Capoeira chora também, é muito sensível. A perda de um aluno é a perda de uma metade dele.
O perigo é quem dá aulas despreparado, distorcendo princípios. Não usamos graduação, é o capoeirista treinel quem puxa o treino. Nos preocupa a maneira como é passado os ensinamentos aos mais jovens. E preciso uns 1á anos pro capoeirista passar a contra-mestre.
Débora : Quanto aos orgãos de turismo de bahia na apresentação da capoeira, como é o tratamento, eles diferenciam angola e regional ?
Tem pouca diferenciação. Essa é uma questão de consumismo, em termos de grana, a capu pra eles ainda não tá absorvendo legal. Eles passam e dizem : "-Ali é a casa da Associação de Capoeira Angola." -e vão andando, vão pra casa Olodum, pra casa do Jorge Amado, pro museu. E muito difficil, mais ainda pro nortista (ou nordeste). O governo paga por apresentações, mas não dá tanto apoio como deveria, e não é só pra capoeira, pra outros tipos de arte também. Tem o 'Faz cultura', onde os projetos são avaliados e devem buscar recursos com empresas para ganharem isenção do ICMS. E difficil as empresas patrocinarem 'arte popular', querem futebol, música ou teatro. Mas cê tem que lutar, pra haver conquista. Todo turista que chega na associação pergunta : "-Hoje tem capoeirista ? ". Os turistas querem comprar ao menos um berimbau, o retrato da Bahia. Foi na Bahia e não comeu acarajé, nem comprou berimbau, então não foi.
Aline : Quais os projetos sdesenlvolvidos na Associação de Capoeira Angola, e o cargo de presidente deixa tempo pra outras atividades ?
O principal trabalho é a Casa da capoeira, que está aberta á todos, com um salão pra mestres que não tenham onde ensinar. Aulas pra 60 crianças e adolecentes, em média, que abaixo dos 16 anos não pagam. Temos o Museu do Mestre Pastinha com um bom acervo, uma sala de vídeo, arquivo e biblioteca. A presidência é uma responsabilidade grande, lidar com cabeças diferentes, pessoas que não comumgam com você, é complicado ... você tem que ser maleável e flexível. Também tenho um trabalho interessante de capu com as crianças carentes no Ilê Opó Afonxá, dentro do Candomblé. Faço por amor, não cobro nada.
Sylvio : A capoeira angola é realmente entendida pelos capoeiristas, como é praticada e vista ?
A angola está sendo procurada não somente por brasileiros, mas por europeos e americanos, que querem aprender o fundamento. Querem saber como nasceu a capu, onde a semente foi colocada. Sem ofender a regional, ou angonal, ou outro tipo de capoeira. Mas a primeira que germinou, é a angola, a capoeira mãe. Tem quem pense que descer pro jogo de baixo é ser angoleiro. Mas não é só jogar em cima ou embaixo, a postura é muito diferente, tem outras coisas. A maneira de ver o mundo, o sentimento, a personalidade. A malícia e os recursos da esperteza. Em roda de angola dificilmente tem briga, velhos e novos se respeitam. Na realidade a capoeira nasceu pra defesa, uma arma conta o capitão do mato e o senhor do engenho. Não fois criada pra machucar, ou pra gladiatores.
Mocambolas : O que dizer pra nova geração, pra quem vem por aí, o que deixar ...
Primordial na capoeira é você ter atenção pra absorver. Ser calmo, sempre de vagar, pra enxergar. No tempo da visão, a diferença em ir de trem e ir andanlo. A capoeira é pra todos. Branco, negro, amarelo, sarará, mestiço, todos temos o direito de aprender porque a capoeira educa.
Capoeira é troca de informação, é um corpo falando com outro. Eu espero dos que vem aí, os novos, que absorvam o máximo de mim. Passo o que aprendi, deixo algo, morro a não levo nada. Só felicidade com amigos. Axé baiano pra vocês !